quinta-feira, 31 de março de 2011

Outono

Não é impressão, o tempo mudou.
Mesmo quando se vive em São Paulo e no Século XXI. Mesmo com o tempo maluco que se vive lá fora. Se vive - como na sutileza das borboletas que vejo vez ou outra - na mudança mínima de ares.

O Outono é para mim um prenúncio, uma anunciação de passagem. A vida que começa a tomar fôlego para suportar o período de morte trazido pelo Inverno.

E não há ser vivente mais inteligente que o tempo. Nas suas passagens em ciclos, o eterno nascer e morrer.

Perco folha por folha e me desnudo sem pudor. É dor e alívio de descanso. Solto aquilo que apertava contra o peito e deixo que se vá.

Não é impressão.

Nas minhas folhas havia muita coisa escrita, palavras envelhecidas que precisavam morrer.

Não tem porque manter o que já está gasto, já está apodrecendo. O efêmero é tão belo, mas é preciso saber ver.

E eu que estou mais para Cigarra que para Formiga, e que desminto que nós não trabalhamos. Acontece que existem outras formas de se organizar, outras formas de construir, que não o sacrifício que os homens se orgulham. Não preciso estar num rebanho, estou muito bem caminhando na margem.

Vou me recolher e descansar o meu pobre olho humano que precisa de estímulo e de óculos para que consiga ver, e essa minha pobre pele humana que precisa ganhar forças para suportar o frio sem precisar criar para si uma couraça.

O tempo mudou.

sexta-feira, 18 de março de 2011

sobre o tempo, e sobre as borboletas que foram lagartas e logo serão cadáveres

passa, voa, respira
e é de uma beleza

em mim ele move
repuxa, grita

navalha no rosto
sulcos na pele
neve nos cabelos

se envelheço?

sim, eu respondo

o tempo passa em mim
e é uma transa doida

não é apodrecer
deteriorar
mofar na gaveta

é deixar morrer
deixar viver

deixar

...

que eu me arraste
que eu crie asas
que eu saiba morrer

que eu saiba deixar